Íntegra do trabalho apresentado na Oficina sobre impactos locais do petróleo na cidade de Macaé, realizada em dezembro de 2010 no campus da Universidade Federal Fluminense (UFF) - Fernando Marcelo Tavares
Histórico
Cidade sede da exploração de petróleo e gás da Bacia de Campos, Macaé, uma pequena cidade de economia voltada basicamente para a agricultura (cana), pecuária bovina e pesca, passa a sofrer os primeiros impactos a partir de 1974, principalmente no que diz respeito à especulação imobiliária fomentada pelas primeiras movimentações da Petrobras na cidade.
A exploração da Bacia de Campos começou, entretanto, no final de 1976, com o poço 1-RJS-9-A, que deu origem ao Campo de Garoupa, situado em lâmina d’água de 100 metros. Já a produção comercial, começou em agosto de 1977, através do poço 3-EM-1-RJS, com vazão de 10 mil barris por dia, no Campo de Enchova.
Ao se instalar na cidade, a Petrobras ocupou três pontos da rodovia RJ-106, no centro e nos extremos do centro urbano. Situou no centro da cidade, sua principal base de operações, no bairro Imbetiba, descaracterizando aquela que era a praia mais bela e mais acessível à população local, instalando ali seu porto.
A leste, já próximo aos limites com o município de Carapebus, instalou o Terminal Cabiúnas próximo à restinga de Jurubatiba e suas lagoas, mais tarde transformada em Parque Nacional – o único Parque Nacional de Restinga do Brasil e que guarda uma biodiversidade única, sendo hoje, objeto de mais de 50 pesquisas realizadas por universidades de todo o mundo.
E a oeste, nos limites com o município de Rio das Ostras, instalou seu parque de tubos dentro da micro bacia hidrográfica do rio Imboassica, principal contribuinte da Lagoa que sofre intenso processo de degradação desde que toda a área de seu entorno dentro do município de Macaé, passou a ser ocupada de forma desordenada por condomínios e empresas.
Atualmente a atividade de exploração offshore de petróleo e gás envolve cerca de 60 mil trabalhadores das empresas diretamente ligadas à exploração e outras 50 mil nas que trabalham indiretamente.
Crescimento da cidade
Macaé, foi, sem dúvida, o município brasileiro que mais cresceu da década de 1970 aos dias de hoje. Despreparada para os impactos derivados dos processos migratórios viu sua população crescer cerca de 440% em 36 anos, numa média anual, no período, de 12,23%, passando de 47 mil habitantes em 1974 a 206 mil em 2010, como demonstra o quadro abaixo.
— 1974 - 47.000 hab Fonte: IBGE
— 1980 - 75.851 hab
— 2000 – 132.461 hab
— 2007 - 169.513 hab
— 2010 - 206.748 hab
* Crescimento médio de 440% em 36 anos
* Média anual de 12,23% no período
Esta onda de crescimento também atinge fortemente outros municípios considerados produtores ou situados na área de abrangência, com destaque para Rio das Ostras que cresceu puxada pelo crescimento de Macaé, 190% em dez anos. O quadro a seguir mostra os municípios que mais cresceram neste período:
— Rio das Ostras – 190%
— Maricá – 66%
— Casimiro de Abreu – 59%
— Carapebus – 51%
— Quissamã – 43%
— Búzios – 48%
— Macaé – 53%
IBGE – 2000/2010
Surgimento de bairros periféricos
Foram vários os bairros sem infra-estrutura que surgiram na periferia da cidade de Macaé desde o início da exploração de petróleo na Bacia de Campos, a maioria ocupando áreas de preservação ambiental. As primeiras ocupações irregulares se deram junto à foz do rio Macaé, em área de manguezal: inicialmente as comunidades de Nova Holanda, Malvinas e Botafogo; e posteriormente, Ilha Colônia Leocádia e Nova Esperança, ressalvando que a Ilha da Caieira, também área de preservação permanente, hoje abriga um condomínio de classe média/alta, sendo a primeira ocupação na foz do rio Macaé, com exceção do centro urbano.
Destes, sofrem intervenções urbanísticas atualmente, Nova Holanda e Nova Esperança, sendo que há projeto no município para reassentamento dos moradores da Ilha Colônia Leocádia, transformada em Parque por decreto municipal, tendo em vista sua baixa ocupação em comparação com os demais – cerca de 700 moradores.
Este programa, visa, ainda, evitar o fechamento de um cinturão de adensamento populacional envolvendo os bairros já citados e que hoje sofrem com o tráfico de drogas.
A maior ocupação, entretanto, se deu no Lagomar, junto ao Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, reunindo, hoje, aproximadamente 40 mil moradores. Até o ano de 2005 havia o impedimento de obras de infraestrutura no local por estar dentro da área de amortecimento do Parque, impasse solucionado com a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta junto ao Ministério Público Federal. Hoje, cerca de 40% do bairro foi urbanizado, havendo a previsão de término das obras até o final de 2011.
(Ver processo de ocupação em vários bairros através de fotos de satélite da década de 1970 aos dias de hoje,na apresentação em Power Point).
Principais impactos locais
— Invasões em áreas de risco e de Preservação Permanente
— Surgimento de favelas e de bairros periféricos sem infraestrutura
— Aumento das demandas por serviços públicos
— Aumento da violência – tráfico de drogas
— Aumento do custo de vida
— Especulação Imobiliária
— Trânsito - Média de 25 mil carros e 700 caminhões/dia (atualizar)
Impactos nos serviços públicos
Saúde – Hospital Público Municipal (HPM)
— 50 mil atendimentos de urgência em 2010
— Aporte de R$ 100 milhões/2011
— Atendimento às populações de cidades vizinhas e de acidentados na BR 101
Educação
— Cerca de 3 mil novas vagas/ano no ensino fundamental
— Investimentos para manter 50 escolas em tempo integral das 116 da rede municipal
— Investimentos em ensino técnico e superior
— Manutenção de serviços de transporte universitário
Social
— Ampliação permanente da rede de assistência social
— Investimentos para implantação de restaurantes populares
— Ampliação constante de programas sociais voltados para gestantes, crianças, idosos, mulheres, dependentes químicos, moradores de rua e deficientes físicos
Infraestrutura
— Demanda por infraestrutura – Habitação, equipamentos públicos e saneamento
Outros riscos e impactos ambientais
— Vazamentos em alto mar
— Manipulação, transporte e disposição de resíduos perigosos
— Utilização de substâncias radioativas
— Impermeabilização de grandes áreas
— Desmatamento e ocupação de Áreas de Preservação Permanente
— Introdução de espécies exóticas no ambiente marinho
— Perda de identidade cultural
Impactos na pesca
— Atividade que mais sofre com a atividade offshore
— Sísmica
— Abalroamentos de traineiras
— Perda de redes
— Atração do pescado para áreas de exclusão junto às plataformas
— Descarte de resíduos orgânicos
— Pesca em área de risco
— Modificação do ambiente marinho
Projetos sociais desenvolvidos no município
Há vários anos o município de Macaé vem desenvolvendo projetos de inclusão social e fazendo frente à crescente demanda por serviços públicos na cidade. É de se destacar que o pagamento dos royalties à cidade só passou a ser significativo a partir na nova lei do petróleo em 1997, deixando um longo período de impactos sociais e ambientais sem as contrapartidas para fazer frente a eles.
Se for considerada a data de 1974 como marco para o início destes impactos, levando-se em conta que a simples notícia da instalação de grandes empreendimentos já traz aumento de preços imobiliários, como hoje já acontece em cidades como Santos e Itaboraí, podemos contabilizar nada menos do que 23 anos de defasagem.
A seguir alguns projetos e programas que foram implantados na cidade na tentativa de fazer frente aos impactos já consolidados, principalmente decorrentes dos processos migratórios.
Rede de proteção social
Segundo dados da Prefeitura local, a cidade investe 3,4 vezes mais que a média nacional na área social, representando um gasto anual de R$ 1.450 por habitante. São mais de 100 programas sociais e projetos mantidos pela Prefeitura que promovem a educação, cultura, esporte, saúde e capacidade de trabalho para a população de baixa renda.
HabitaçãoFoi apenas a partir de 2005 que o município passa a desenvolver programas habitacionais com o objetivo de suplantar seu déficit habitacional, e de desocupar áreas de risco e de preservação permanente com a remoção e reassentamento para condomínios populares. Hoje o município possui um plano municipal de habitação que abrange, ainda, o programa denominado “Macaé sem favelas”. A meta do governo municipal é viabilizar a construção de quatro mil unidades habitacionais até 2012, incluídas as unidades previstas do Programa “Minha Casa Minha Vida” do Governo Federal.
Educação
O rápido crescimento da cidade e as perspecivas com o pré-sal demandam investimentos na área de educação que extrapolam as obrigações constitucionaios de um município.
São 113 unidades municipais de ensino, das quais 25 em tempo integral e que oferecem ao aluno cinco refeições por dia. São 40 mil alunos matriculados em escolas, creches e unidades de atendimento especializado. A cidade tem, ainda, uma das menores taxas de analfabetismo do estado: 7,3%.
O ensino superior tem recebido especial atenção do poder público municipal que construiu e implantou a “Cidade Universitária” que ocupa uma área de 95 mil metros quadrados, sediando diversas universidades gratuitas.
É objetivo do governo municipal transformar a cidade em um novo pólo universitário do estado do Rio, tendo em vista projeto para a construção de mais sete blocos para salas de aula e laboratórios no local e a manutenção de uma política para a atração de outras universidades para o município.
Saúde
Com cinco anos de funcionamento, o Hospital Público Municipal (HPM) realiza cerca de 50 mil atendimentos de urgência ou emergência por ano, fazendo o atendimento de pacientes oriundos de toda a região.
O HPM dispõe atualmente de 132 leitos, distribuídos por três enfermarias (masculina, feminina e pediátrica), três serviços de terapia intensiva (adulto, pediátrico e neonatal) e uma unidade de terapia intensiva.
Em 2008, foi firmado convênio entre a Fundação Educacional de Macaé (Funemac) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), através do qual o HPM passa a funcionar como hospital-escola para alunos das faculdades de Enfermagem, Nutrição e Medicina, já implantados na Cidade Universitária.
Agricultura, pesca e turismo
Na agricultura, as principais produções do município são de feijão, aipim, inhame e banana. Macaé tem hoje o terceiro maior rebanho do Rio de Janeiro, com 95 mil cabeças de gado e 1.066 produtores. A maior concentração do rebanho está na área do Vale do Rio Macaé.
A pesca, que no passado foi a principal atividade da cidade, ainda é responsável por uma boa parte da economia. Hoje, cerca de 1,2 mil pescadores vivem da pesca no município, totalizando cerca de 15 mil pessoas que vivem direta ou indiretamente da pesca. Existem cerca de 400 barcos atuando no município. O volume de pescado por ano é de 50 toneladas/mês, em média. O pescado de Macaé é vendido para o Rio de Janeiro e mais 12 estados, além de ser exportado para os Estados Unidos e a Suíça.
Os atrativos naturais do município fazem do ecoturismo e o turismo de aventura uma alternativa econômica viável, considerando que 15% do território são ocupados pelo centro urbano, possuindo uma grande área em direção ao interior do Município praticamente inexplorada em todo seu potencial.
A atuação do movimento ambiental macaense nas décadas de 1980 e 1990
O relato a seguir, pretende resgatar informações que reconstituem alguns momentos decisivos ao longo da história do desenvolvimento da exploração de petróleo e gás na Bacia de Campos no que diz respeito às questões ambientais, ocorridos em Macaé, principal sede da Petrobras neste empreendimento.
Fundada em 1988 , a Associação Macaense de Defesa Ambiental (Amda), organizou ambientalistas que anteriormente atuavam de forma descoordenada na defesa dos interesses ambientais na região. A entidade teve atuação decisiva na elevação da consciência ambiental da população e dos gestores da época, resguardando, entretanto, sua personalidade combativa e firme na condução de seus propósitos.
Ativa numa época de pouco respeito ao meio ambiente, organizou protestos que cativaram a população, utilizando-se de ferramentas culturais, como o irreverente “Varal de Poesias”, semanalmente criado e exposto no calçadão da Praia dos cavaleiros, geralmente trazendo denúncias de ordem ambiental; o “Jornal Artenativa”, que publicava reportagens e arte em geral produzida na cidade, e que constituía uma grande rede postal da cultura alternativa brasileira existente na época; além de performances e shows temáticos com bandas e poetas locais nas praias e praças públicas.
A atuação da Amda chegou a extrapolar os limites territoriais de seu município sede, quando protocolou ação judicial, contra a CSN devido ao derramamento de ascarel no Rio Paraíba do Sul, ação que se arrastou por vários anos, ainda sem desfecho.
A partir dos anos 2000 a entidade entra num período de inatividade pela falta de renovação na militância, num momento em que as Ongs passam a ter atuação mais pragmática, já envolvidas nos projetos de educação, reparação e conservação ambiental.
Destaca-se o fato de que vários militantes do movimento ambiental chegaram a ocupar as pastas de meio Ambiente do município de Macaé. Foram os membros da Associação Macaense de Defesa Ambiental (Amda), ainda, que escreveram o capítulo de meio ambiente da Lei Orgânica municipal, aprovado na íntegra pela Câmara de vereadores. Da mesma forma ocorreu com o Plano Diretor de Macaé, que um ano após a promulgação da Constituição de 1988, ganha um texto repleto de preocupações ambientais. Estes processos se deram de forma genuinamente participativa com metodologia empregada por equipe contratada junto à Universidade de Brasília (UNB).
O movimento ambiental macaense sempre encontrara resistência na relação com as Ongs do Rio de Janeiro e região metropolitana que pautavam as reuniões da Apedema, que tem cadeira no Conama, apenas com questões relativas à sua realidade, isolando o interior. A imprensa carioca, da mesma forma, não acompanhou os impactos sociais e ambientais no desenvolvimento da produção na Bacia de Campos. Os jornais, não raro, confundiam Macaé com Magé ou Muriaé, evidenciando seu distanciamento com o interior do Estado. Foram esporádicas e provocadas as notas, matérias e reportagens dos grandes veículos sobre o assunto.
Campanha Xô Monobóia
E foram decisivas quando aconteceram. Foi, por exemplo, apenas quando a campanha “Xô Monobóia” ganhou a grande imprensa, que o movimento se tornou vitorioso. Além de mobilizar a sociedade, mobilizou a classe política atraída pelos holofotes. Só se envolveu, no entanto, quando o movimento demonstrou os impactos que poderiam acontecer em cidades como Búzios, Cabo Frio e outras situadas na região dos Lagos, onde se situam casas de veraneio de políticos e empresários poderosos.
Tratava-se de uma espécie de ancoradouro flutuante de grandes proporções que permitia aos petroleiros transferir o óleo para a Estação de Cabiúnas, situada no entorno do hoje Parque Nacional da Restinga de Jururubatiba. A estrutura estava prevista para ser instalada a apenas 3 km do Arquipélago de Santana, transformado em Parque por decreto municipal logo no início do movimento. Esta monobóia tinha porte para receber navios petroleiros de até 300 mil toneladas, transferindo esta carga diariamente.
Os riscos eram muitos. O próprio projeto previa uma possibilidade de falhas na casa dos 0,5%, o que, feito as contas, resultaria em prováveis mil e quinhentas toneladas/dia de óleo derramados no mar. O engate da monobóia com os dutos (mangote) era feito de material frágil, e isso foi provado durante o processo judicial. Fotografias fornecidas por mergulhadores profissionais participantes do movimento mostravam perfurações causadas por peixes espada em material equivalente de proporções menores, em uso na própria Bacia de Campos, junto às plataformas, e que motivaram dezenas de vazamentos de óleo.
O movimento contou com a adesão de grande parte da sociedade. Os próprios funcionários da Petrobras e terceirizadas, se filiavam à Amda fazendo denúncias e fornecendo importantes informações. Participaram do movimento além dos ambientalistas, pescadores, surfistas, sindicatos (destaque para o Sindipetro NF), associações de moradores e diversas outras entidades, além da imprensa local, através dos jornais “Folha Macaense” (extinta) e “O Debate”, e, em especial, da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), que aderiu ao movimento e corajosamente enfrentou a empresa empregadora de seus diretores e associados, fornecendo subsídios técnicos ao movimento e participando ativamente dele.
Destaca-se, ainda, a participação da Feema, que através de seu representante na região, mostrou o caminho a ser tomado pelo movimento para respaldar a entidade no confronto com a maior empresa brasileira, num período em que a legislação ambiental não olhava para a produção offshore do petróleo e não havia comprometimentos sociais ou ambientais por parte das empresas.
Ao final do processo, a obra foi embargada e a Petrobras desenvolve toma o caminho dos dutos terrestres para escoar sua produção a partir deste momento.
Constituída em sua maioria por jornalistas, a entidade povoou o noticiário da imprensa local e regional com denúncias de todo o tipo. Os vazamentos eram rotineiros. Os acidentes também.
Na época corria-se atrás da autossuficiência nacional do petróleo. O avanço para águas profundas foi uma aventura de custo social alto, até que a Petrobras desenvolvesse e implementasse as tecnologias, procedimentos e capacitação necessários para a minimização dos riscos nas operações de prospecção e transferência de óleo. Hoje vemos a mesma pressa na exploração do pré-sal, esta, entretanto, determinada pelo avanço das tecnologias alternativas aos combustíveis fósseis.
Mobilização pode ter evitado tragédia ambiental
Os vazamentos ocorridos nas plataformas da Bacia de Campos, entretanto, nunca chegaram às praias macaenses, protegidas pelas correntes marítimas, que sempre levaram estas manchas para o alto mar. Os relatos de acidentes feitos por funcionários embarcados eram freqüentes. E não havia estrutura de fiscalização que pudesse comprová-los. Mas mesmo assim, eram denunciados e noticiados, preservadas as fontes.
A resistência ao rolo compressor do petróleo em Macaé foi intensa nas décadas de 1980 e 1990, e o cenário, hoje, poderia ser muito pior do que o atual.
Na pior das hipóteses, por exemplo, se instalada a monobóia junto à costa macaense, todo o turismo poderia ser inviabilizado na região dos Lagos, com a poluição de suas praias, com risco maior para Búzios em função de sua situação geográfica. Para não falar nos prejuízos para a pesca e para o meio ambiente com a destruição dos manguezais e dos demais ambientes costeiros.
Mas como não se contabiliza o que deixou de acontecer, fica esta informação com o intuito de mostrar que não houve passividade ou imobilismo da sociedade macaense e da região produtora diante da trajetória da exploração na Bacia de Campos responsável por 86% da produção nacional de petróleo.
Planejamento com foco nas cidades
A experiência da Bacia de Campos já reúne subsídios suficientes para um planejamento mais inteligente e responsável, para que não se arruínem atividades econômicas tradicionais, não se formem bolsões de pobreza nos municípios produtores, não se degrade o meio ambiente, e nem exclua o cidadão comum dos benefícios desta atividade.
Um problema grave no sistema de licenciamento brasileiro quando se trata de um mega empreendimento como o pré-sal, é que ele analisa separadamente cada instalação, não havendo um mecanismo que faça a gestão do processo como um todo. Um mega empreendimento como a exploração do pré-sal deve contar com um olhar macro que analise todo o universo de desdobramentos sobre a sociedade, e que resulte num sistema de gestão abrangente.
Está passando desapercebido que o conjunto de empreendimentos que possibilitarão a exploração do pré-sal, forma um novo empreendimento de características absolutamente peculiares com relação às atividades que o compõem, com grande impacto regional, e que deve ser gerido separadamente.
Não há instrumento legal hoje no Brasil que garanta este tipo de gestão, a exemplo do que ocorreu na Bacia de Campos onde o único planejamento que houve foi o relativo à produção deixando de fora aspectos relevantes como os impactos nos municípios provocados pelos processos migratórios, desemprego, especulação imobiliária, aumento do custo de vida e da demanda por serviços públicos, crescimento desordenado e a retração da atividade pesqueira, experiência que reúne subsídios que devem ser considerados em um, infelizmente improvável, planejamento estratégico do pré-sal.
Da mesma forma como aconteceu com a Bacia de Campos nas últimas décadas, com os municípios a reboque de decisões estatais e empresariais sem nenhuma ingerência nos fatos, está acontecendo com o pré-sal, apesar de contar com disponibilidade de tempo para os planejamentos e adequações necessários, atualmente desperdiçado com polêmicas infrutíferas como as que têm sido travadas a respeito dos royalties.
Deixar por conta do mercado já provou que não é uma boa solução considerando as maldições já constatadas da cadeia produtiva do petróleo. Mas quem conduziria esta hercúlea tarefa? Ainda não sabemos, talvez o Ministério das Cidades. Uma coisa é certa, entretanto: precisa ser conduzida por uma instância superior,empoderada, independente e representativa, que agregue as mais plurais participações, envolvendo a sociedade civil organizada, os municípios, os estados, as empresas e as universidades das regiões envolvidas.
Tarefa difícil, seja pela incompreensão de sua necessidade ou pela falta de uma cultura participativa. Porém mais fácil do que lidar com problemas como os que aconteceram no golfo do México, ou os que já se consolidaram nos municípios produtores e que tenderão a se repetir nos mais de cem municípios litorâneos da área de abrangência do pré-sal.
Pesca – a atividade mais impactada
A pesca foi a atividade econômica que mais sofreu com a exploração de petróleo e gás na Bacia de Campos nas últimas três décadas. Um olhar mais minucioso sobre a convivência desastrosa entre as pequenas traineiras e os super-petroleiros e rebocadores na Bacia de Campos, certamente captará um cenário que não pode se repetir na tão promissora exploração da Camada do pré-sal nas bacias de Santos, Campos e Espírito Santo, cuja extensão chega a 800 km de mar piscoso e historicamente explorado por pescadores artesanais.É preciso identificar os reais efeitos da sísmica no comportamento dos cardumes e minimizar este impacto tão prejudicial aos pescadores. Além dos desafios tecnológicos para a retirada de petróleo e gás de áreas tão profundas, há os desafios para evitar que os peixes desapareçam das áreas onde os testes sísmicos são realizados; para que sejam controladas e evitadas as invasões de espécies exóticas que devastam os ecossistemas onde são inseridas; para que as plataformas de petróleo em operação não se transformem em atratores pesqueiros com o sombreamento e o descarte de resíduos orgânicos, praticamente convidando as traineiras a ingressarem nas perigosas áreas de exclusão junto às plataformas em alto mar.
É preciso recuperar os manguezais no continente e formar pesqueiros induzidos fora da rota offshore. É preciso criar áreas de exclusão também para as embarcações de apoio. É preciso organizar os pescadores. É preciso repensar o descarte de resíduos orgânicos pelas plataformas e embarcações em alto mar, permitido por norma internacional, mas que têm provocado impactos aqui e por isso deve ser mudado.
Estes são apenas alguns dos desafios para que a exploração do pré-sal seja realmente lucrativa para a sociedade brasileira, muito mais importantes do que os royalties e participações especiais, atualmente em barganha.O pescador artesanal que tradicionalmente sempre pescou nas águas da Bacia de Campos, foi a classe que mais perdeu com a busca desenfreada pela auto-suficiência nacional de petróleo desde a década de 1980. Ele não só já viu esse filme como atuou nele como o personagem que apanha o tempo todo. Como essa história ganha um novo capítulo com a descoberta das reservas do pré-sal, ainda há esperança de que esse personagem não morra no final.
Ações de planejamento propostas
Apresentamos, a seguir, o resumo de uma série de propostas identificadas e colhidas ao longo do processo de desenvolvimento da Bacia de Campos, em debates, conversas, seminários, conferências, audiências públicas e fóruns, numa espécie de grande reflexão sobre diversas iniciativas não implantadas e que resultaram nos impactos hoje observados em Macaé e demais municípios produtores e que projetamos para o futuro, no caso, a exploração do pré-sal.
Planejamento global
— Gestão macro do processo.
— Plano Diretor para a exploração do Pré-sal.
— Processo participativo – Organização de Conferências.
— Segmentos – Petrobras, empresas, Poder público nas três esferas, Sociedade Civil, Academia, Instituições ambientais etc.
— Experiência da Bacia de Campos como ponto de partida.
Empresas
— Maior envolvimento com as cidades onde estão instaladas.
— Responsabilidade Social – Projetos consistentes e estruturantes complementares às ações governamentais.
— Situação atual – ações dispersas, geralmente restritas ao cumprimento de exigência legais ou relacionadas ao licenciamento, quando existentes.
— Inserção de mão-de-obra local – Política de qualificação profissional antecipada.
— SGAs, auditorias ambientais.
Poder Público
— Implementação, revisão e regulamentação dos planos diretores municipais – nivelamento legal.
— Zoneamento Costeiro.
— Proteção de áreas sensíveis.
— Estruturação dos sistemas municipais de meio ambiente.
— Licenciamento ambiental municipal – descentralização com controle.
— Representação do órgão estadual licenciador em municípios chaves.
— Dimensionamento das redes de ensino e de saúde em conformidade com as previsões de crescimento.
— Gestão regionalizada: formação de consórcios, comitês e associações.
— Fomento à produção de mudas de espécies nativas.
— Recursos para implementação dos programas indicados (Royalties das três esferas).
— Fomento de empreendimentos sustentáveis alternativos ao petróleo.
— Fomento à pesquisa.
— Planejamento de bairros e condomínios.
— Programas habitacionais.
— Qualificação da gestão e implementação de programas de qualificação profissional.
— Aperfeiçoamento da fiscalização em mar pelos órgãos competentes.
— Concursos públicos para corpo técnico dos órgãos ambientais.
— Capacitação de conselhos e outros institutos participativos.
— Política para controle de invasões e monitoramento de processos migratórios
- Fiscalização – Capacidade de pronta ação.
- Monitoramento de rodoviárias e postos para orientação aos visitantes.
- Política de orientação legal ao cliente em imobiliárias, cartórios e lojas de
material de construção.
- Campanhas educativas.
Universidades e Centros de Pesquisas
— Levantamento ambiental cooperativo na área do pré-sal.
— Pesquisas para impactos pontuais previstos.
— Formação de banco de dados.
— Consolidação de pesquisas existentes.
Ações voltadas para a pesca
— Criação de unidades extrativistas marinhas.
— Inclusão de espécies comerciais nas pesquisas sobre os efeitos da sísmica.
— Desenvolvimento de amplo e contínuo estudo ambiental em toda a área do pré-sal.
— Investimento em equipamentos e embarcações, implantação e ampliação de estaleiros de barcos de pesca artesanais.
— Programas de qualificação e de incentivo ao cooperativismo.
— Estruturação de cadeia produtiva.
— Recuperação de manguezais.
— Definição das rotas para as embarcações de apoio às plataformas, criando uma área de exclusão também para estas embarcações, em proteção à atividade pesqueira.
Síntese
Diferentemente do que ocorreu com a Bacia de Campos, é possível desenvolver um planejamento para a exploração do pré-sal levando em conta os impactos sofridos pelos municípios produtores nos últimos 30 anos.
Este planejamento deve ser conduzido de forma participativa, com contexto regional e focado no desenvolvimento da qualidade de vida das populações das cidades envolvidas.
Dados resumidos do autor
Fernando Marcelo Manhães Tavares, jornalista, ambientalista e Gestor Ambiental, nascido em Niterói, morando por vários anos em Brasília, transferindo-se para Macaé em meados da década de 1980 a partir de quando se engajou nos movimentos ambiental e cultural da cidade e região.
Histórico de atividades e funções
Fundador do Partido Verde em Macaé (RJ). Fundador e diretor da Associação Macaense de Defesa Ambiental (AMDA). Fundador e diretor da Associação de Imprensa do Distrito Federal (AIDF). Correspondente da Agência Brasileira de Notícias (ABN). Editor da Revista Meio & Ambiente. Editor da Revista Séculus. Editor do Jornal Artenativa. Participante do movimento literário independente brasileiro nas décadas de 1980 e 1990. Vice-Presidente da Agenda 21 Macaé. Presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente e do Conselho da APA do Sana (Macaé). Presidente da Comissão Organizadora da I Conferência Municipal de Meio Ambiente. Organizador da Feira de Educação Ambiental Macaé Sempre Verde, a primeira feira do gênero do Estado do Rio. Secretário de Meio Ambiente e de Comunicação de Macaé. Finalizando curso de Gestão Ambiental na Universidade Estácio de Sá.
Atualmente presta consultoria nas áreas de comunicação e meio ambiente e administra o Portal de Informações do pré-sal - http://www.pre-sal.info/
Fontes e referências
— Portal da Prefeitura de Macaé - Secretaria de Comunicação Social – www.macae.rj.gov.br
— Artigo “O Pré-sal e o Meio Ambiente” publicado no Jornal do Brasil - 2008 – Fernando Marcelo Tavares
— Artigo “O Pré-sal e a Pesca”, publicado nos sites “Envolverde” e “Gente Praias” – 2010 - Fernando Marcelo Tavares
— Artigo “Lições para o Pré-sal” publicado no Globo On Line – 2010 – Fernando Marcelo Tavares
— Deliberações da I Conferência Municipal de Meio Ambiente - 2005
— Arquivos da AMDA – Associação Macaense de Defesa Ambiental
— Fotos da apresentação: Rômulo Campos, Luiz Bispo, Kaná Manhães
— Imagens de Satélite da apresentação: Geo Macaé - Coordenadoria do Gabinete de Gestão Integrada – GGI
— IBGE – Dados populacionais