quinta-feira, 29 de maio de 2014

Um céu em festa para Dona Maria Klonovska



O falecimento da artista plástica macaense Dona Maria Klonovska no último dia 29 de maio, me provocou profundas reflexões sobre sua vida e obra, reavivando também a memória das poucas e inesquecíveis conversas que tivemos. Mas um episódio em especial me marcou profundamente. Foi quando, juntos, passamos um sufoco na condição de jurados de um concurso de desenhos de alunos da rede municipal num ano que não mais me recordo, mas que Dona Maria saberia situar no tempo, pois tinha memória de tudo o que tinha vivido.

Ao chegarmos no auditório da Câmara de Vereadores, onde se daria as avaliações dos trabalhos, ficamos pasmos ao perceber que chegavam montes de pacotes com os tais desenhos. Simplesmente era um concurso que envolvia os alunos de toda a rede municipal de ensino, o que gerou nada menos do que 3 mil desenhos.

Sincera e espontânea que era, Dona Maria logo se levantou protestando contra a hercúlea tarefa, que tinha que olhar um por um ... que demandaria muito tempo ... que ela não tinha idade pra aquilo...
Diante da insistência das professoras que também se ofereceram para ajudar no processo de avaliação, Dona Maria aceitou a árdua missão, desde que houvesse uma filtragem prévia dos desenhos.

Reduzidos os pacotes, mesmo assim, ainda muitos, Dona Maria logo percebeu que a grande maioria dos desenhos tinha sido feito pela mãe, pai ou outra pessoa, pois o concurso envolvia premiação e tudo indicava que a grande maioria tinha trapaceado para conquistar o tal prêmio.

Mesmo correndo o risco de ser injusta com algum aluno que poderia ter a habilidade de desenhar, Dona Maria pôs-se a avaliar os desenhos com profundidade, separando aqueles que julgava ter sido feito pela mãe do aluno. Foi impressionante como detectava traços e sinais, a maioria nem tão evidentes que só ela percebia, e que denunciava a autoria adulta.

Separadas as falsificações, mesmo assim, passamos a tarde toda vendo, eliminando e escolhendo desenhos. Exaustos, fomos embora, rindo às gargalhadas  com a esdrúxula situação vivida. Ao deixá-la em casa ela disse traumatizada: “nunca mais vou ser jurada de coisa nenhuma”. E assim foi. Não se tem notícia de que tenha participado de evento similar, desde então.

E pra mim, leigo nas artes plásticas, foi uma bênção, apesar de todo o esforço.  Naquele dia, olhando desenhos de crianças, ela me ensinou a olhar para uma obra de arte, pois quando analisava os desenhos, me explicava e mostrava o que precisava ser visto.



Um céu de pipas e bandeirolas coloridas

E agora, olhando para um quadro de Dona Maria que tenho na parede, e me recordando de vários outros quadros e tapeçarias que já tinha visto no ateliê dela, em casas de amigos e nas exposições públicas, me veio a idéia de que ela passou a vida construindo o próprio paraíso, e que certamente é o lugar onde ela deve estar agora.

Um céu floresta com borboletas, cascatas, flores e passarinhos. Um céu em festa e cheio de cores, com boi bumbá, flauta, acordeon e pandeiro, quadrilhas de São João, bandeirolas, pipa e balão, bailarinas rodopiantes  sobre nuvens de luz, e saias rodadas girando num pé de vento colorido.

Na vida, a alma expande enquanto o corpo diminui. 

Quando chega a hora, transbordamos ...  

Com certeza, Dona Maria Klonovska está em festa no paraíso que sempre desejou alcançar e que detalhadamente construiu com pincéis e agulhas de tricô.