O falecimento da artista plástica macaense Dona Maria
Klonovska no último dia 29 de maio, me provocou profundas reflexões sobre sua
vida e obra, reavivando também a memória das poucas e inesquecíveis conversas
que tivemos. Mas um episódio em especial me marcou profundamente. Foi quando,
juntos, passamos um sufoco na condição de jurados de um concurso de desenhos de
alunos da rede municipal num ano que não mais me recordo, mas que Dona Maria
saberia situar no tempo, pois tinha memória de tudo o que tinha vivido.
Ao chegarmos no auditório da Câmara de Vereadores, onde se
daria as avaliações dos trabalhos, ficamos pasmos ao perceber que chegavam
montes de pacotes com os tais desenhos. Simplesmente era um concurso que envolvia
os alunos de toda a rede municipal de ensino, o que gerou nada menos do que 3
mil desenhos.
Sincera e espontânea que era, Dona Maria logo se levantou
protestando contra a hercúlea tarefa, que tinha que olhar um por um ... que
demandaria muito tempo ... que ela não tinha idade pra aquilo...
Diante da insistência das professoras que também se
ofereceram para ajudar no processo de avaliação, Dona Maria aceitou a árdua
missão, desde que houvesse uma filtragem prévia dos desenhos.
Reduzidos os pacotes, mesmo assim, ainda muitos, Dona Maria
logo percebeu que a grande maioria dos desenhos tinha sido feito pela mãe, pai
ou outra pessoa, pois o concurso envolvia premiação e tudo indicava que a
grande maioria tinha trapaceado para conquistar o tal prêmio.
Mesmo correndo o risco de ser injusta com algum aluno que
poderia ter a habilidade de desenhar, Dona Maria pôs-se a avaliar os desenhos
com profundidade, separando aqueles que julgava ter sido feito pela mãe do
aluno. Foi impressionante como detectava traços e sinais, a maioria nem tão
evidentes que só ela percebia, e que denunciava a autoria adulta.
Separadas as falsificações, mesmo assim, passamos a tarde
toda vendo, eliminando e escolhendo desenhos. Exaustos, fomos embora, rindo às
gargalhadas com a esdrúxula situação
vivida. Ao deixá-la em casa ela disse traumatizada: “nunca mais vou ser jurada
de coisa nenhuma”. E assim foi. Não se tem notícia de que tenha participado de
evento similar, desde então.
E pra mim, leigo nas artes plásticas, foi uma bênção, apesar
de todo o esforço. Naquele dia, olhando
desenhos de crianças, ela me ensinou a olhar para uma obra de arte, pois quando
analisava os desenhos, me explicava e mostrava o que precisava ser visto.
Um céu de pipas e
bandeirolas coloridas
E agora, olhando para um quadro de Dona Maria que tenho na
parede, e me recordando de vários outros quadros e tapeçarias que já tinha
visto no ateliê dela, em casas de amigos e nas exposições públicas, me veio a
idéia de que ela passou a vida construindo o próprio paraíso, e que certamente
é o lugar onde ela deve estar agora.
Um céu floresta com borboletas, cascatas, flores e
passarinhos. Um céu em festa e cheio de cores, com boi bumbá, flauta, acordeon
e pandeiro, quadrilhas de São João, bandeirolas, pipa e balão, bailarinas rodopiantes
sobre nuvens de luz, e saias rodadas
girando num pé de vento colorido.
Na vida, a alma expande enquanto o corpo diminui.
Quando
chega a hora, transbordamos ...
Com
certeza, Dona Maria Klonovska está em festa no paraíso que sempre desejou alcançar
e que detalhadamente construiu com pincéis e agulhas de tricô.
Nenhum comentário:
Postar um comentário