Posto duas matérias sobre a Amazônia publicadas nos jornais Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, tentando reunir aqui o que de mais importante é publicado na mídia sobre o tema, neste instante em que conquistas ambientais históricas parecem desmoronar diante de nossos olhos.
Na primeira matéria, o governo mostra que mata a cobra e tudo o que tiver pela frente de sua concepção desenvolvimentista, e mostra a caneta que numa penada só reduziu as áreas de três parques nacionais na Amazônia, para viabilização de empreendimentos em seus entornos.
E na segunda, uma entrevista com o biólogo americano Thomas Lovejoy, 69, pioneiro nas pesquisas sobre a região amazônica. Apesar dos graves problemas que afetam a região que tanto conhece, lembra conquistas importantes e mostra uma visão otimista quanto à sustentabilidade neste mundo capitalista, lembrando que “Economia e ecologia têm a mesma raiz grega: "oikos", que remete a "casa".
Dilma muda limite de unidades de conservação para abrigar hidrelétricas
Medida Provisória altera demarcação de três parques nacionais na Amazônia e libera exploração mineral no entorno de dois deles. Com a mudança, empreiteiras poderão instalar canteiros de obras das usinas de Tabajara, Santo Antônio e Jirau.
Três parques nacionais na Amazônia - do tipo de unidade de conservação (UC) mais protegido no País - tiveram seus limites alterados para abrigar lagos e canteiros de obras das usinas hidrelétricas de Tabajara, Santo Antônio e Jirau, em Rondônia. Medida provisória editada pela presidente Dilma Rousseff e publicada na edição de ontem do Diário Oficial da União também autoriza a exploração mineral no entorno de dois dos parques.
Foram alterados os limites dos Parques Nacionais da Amazônia, Campos Amazônicos e Mapinguari. Duas outras unidades deverão ter os limites alterados em breve para o licenciamento ambiental de quatro hidrelétricas do complexo do Rio Tapajós, que ficarão entre as maiores das novas usinas da Amazônia, ao lado de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau.
Os empreendimentos localizados nas unidades de conservação já alteradas eram defendidos pelo Ministério de Minas e Energia, até mesmo a mineração de ouro na área de 10 quilômetros no entorno do Parque Nacional Mapinguari, o maior dos três parques a ter o limite alterado, com 17,5 mil quilômetros quadrados, o equivalente a mais de 11 vezes a área da cidade de São Paulo.
Outro motivo para a alteração dos limites dos parques foi a regularização fundiária de ocupações de terras públicas até o limite de 1,5 mil hectares, além do conflito com áreas de assentamentos para a reforma agrária na região. A floresta remanescente nessas regiões só poderá ser explorada por meio de planos de manejo previamente autorizados.
O presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Rômulo Mello, diz que a alteração do limite dos parques nacionais não impõe perdas à proteção da floresta. "Essas mudanças refletem bem a perspectiva de negociação que procuramos. Nossa postura não é travar, é negociar. Garantimos a conservação e permitimos que os empreendimentos sigam adiante", afirmou. "Fazemos o jogo do ganha-ganha", insistiu.
A Hidrelétrica de Tabajara, no município de Machadinho do Oeste, em Rondônia, é uma das obras previstas na segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Sua construção dependia da alteração dos limites do Parque Nacional Campos Amazônicos, criado em 2006. A previsão é que a hidrelétrica produza 350 megawatts (MW).
Lobby - A inclusão da Hidrelétrica de Tabajara no PAC teve forte lobby do presidente interino do PMDB, senador Valdir Raupp (RO). Para o projeto seguir adiante, faltava tirar do caminho da obra as restrições impostas às unidades de conservação. O Parque Nacional Campos Amazônicos perdeu ao todo, por meio da MP, 340 quilômetros quadrados e ganhou outros 1,5 mil quilômetros quadrados.
No caso do Parque Nacional Mapinguari, o ajuste ocorreu por conta da revisão do alcance do canteiro de obras e dos lagos das Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira. A perda de 70 quilômetros quadrados teria sido compensada com um acréscimo feito anteriormente em permuta com o Estado de Rondônia. O Parque Nacional da Amazônia perdeu agora 280 quilômetros quadrados, supostamente compensado, com folga, por acréscimo anterior a pouco mais de 1 mil quilômetros quadrados.
Para lembrar - O Estado revelou anteontem que as Unidades de Conservação (UCs) se tornaram o mais recente objeto de disputa entre ambientalistas e defensores do agronegócio. Na semana passada, durante audiência pública na Câmara, o deputado Moreira Mendes (PPS-RO), presidente da frente parlamentar da agropecuária, anunciou uma "grande campanha" para impedir que novas UCs sejam criadas sem a prévia autorização do Congresso Nacional. Hoje, a criação é feita por meio de decreto presidencial. Os ruralistas afirmam que a expansão dessas unidades pode comprometer a produção de alimentos no País.
(O Estado de São Paulo)
Amazônia é a galinha dos ovos de ouro do agronegócio brasileiro
Mata é importante para manter chuvas que abastecem lavouras do Centro-Oeste; autorizar mais desmate com nova lei é tiro no pé, afirma pesquisador.
O agronegócio sairia ganhando se visse a Amazônia como "galinha dos ovos de ouro". Se a floresta morre, as chuvas na região secam, e o lucro evapora junto. É o que pensa o biólogo americano Thomas Lovejoy, 69, pioneiro nas pesquisas sobre a região amazônica.
Quando visitou a floresta pela primeira vez, em 1965, ele era um jovem biólogo à procura "da maior aventura possível". Lovejoy é presidente de ciência do Fundo Ambiental Global (GEF), diretor de Biodiversidade do Centro Heinz para a Ciência, Economia e Ambiente, e professor da Universidade George Mason (EUA). Pai de gêmeas cariocas, de férias no País, defendeu que o cuidado com a Amazônia seja parcelado entre várias nações.
O sr. afirma que a devastação na Amazônia pode chegar a um limite, a partir do qual o sumiço da floresta seria um caminho sem volta. Estamos perto?
O Banco Mundial pôs US$ 1 milhão num estudo que projeta pela primeira vez os efeitos de mudança do clima, queimada e desmatamento juntos. Os resultados sugerem que poderia haver um ponto de inflexão em 20% de desmatamento [da floresta original]. Estamos bem perto, 18%. Isso significa que áreas do sul e sudeste da mata vão começar a secar e se transformar em cerrado. É como jogar uma roleta de "dieback" [colapso] na Amazônia.
Com o desmatamento subindo de novo, qual é o prazo para esses 20%?
Não fiz cálculos, mas não tomaria muito tempo. Pode ser cinco anos, se continuar assim. Claro que [a devastação] traz implicações para os padrões de chuva, incluindo as áreas agroindustriais de Mato Grosso e mais ao sul, até o norte da Argentina. O ex-governador [Eduardo] Braga [AM] costumava dizer ao ex-governador [Blairo] Maggi [MT]: "Sua soja depende da chuva no meu Estado".
Quais as consequências para a agricultura?
Agricultura e economia teriam menos chuvas. E elas dependem da chuva. Talvez não em São Paulo, mas mais ao oeste, com a água passando pelas hidrelétricas, em projetos como Belo Monte.
O sr. estuda a Amazônia há mais de quatro décadas. Quais previsões deram certo e quais passaram longe?
Meu primeiro artigo sobre a Amazônia, escrito em 1972, chamava-se "Transamazônica: estrada para a extinção?". Não acho que alguém tinha a capacidade de imaginar a soma de desmatamento que ocorreu. Lembro quando as primeiras imagens de satélite saíram, nos anos 1980. Todos ficaram surpresos. Também houve boas surpresas. Uma é a força da ciência brasileira aplicada na Amazônia. A outra é a consciência pública, que em geral é bastante alta no Brasil. E também a extensão das áreas protegidas, incluindo as demarcações de fronteiras indígenas. Tudo isso junto protege 50% da Amazônia, o que é impressionante.
Do jeito que está, o novo Código Florestal pode impedir o crescimento na produção de alimentos?
Não acho que precisemos enfraquecer o [atual] Código Florestal para aumentar a produção agrícola no Brasil. No caso do gado, o uso médio da terra na Amazônia é de uma cabeça por hectare. Essa é a média mais baixa em qualquer lugar do mundo. É uma questão de organizar a imensa capacidade da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], um dos centros líderes de agricultura no mundo.
Comparado com os EUA, o Brasil tem legislação ambiental rígida. Lá, sequer estão na mesa criar coisas como a reserva legal. Pode soar paternalista dizer o que deve ser feito por aqui?
Só estou tentando pensar no que faz sentido para o Brasil, não necessariamente no que faz sentido o Brasil fazer para o resto do mundo. O atual Código Florestal é um dos mais visionários do planeta. Nos EUA, temos de pagar o preço de não ter tido essa visão há muito tempo. E também não temos florestas tropicais, mais sensíveis. Economia e ecologia têm a mesma raiz grega: "oikos", que remete a "casa". Não existe ser no planeta que não afete seu ambiente sem consumo e produzir desperdício. A questão da sustentabilidade está nos detalhes de quanto e como se faz isso.
Qual a sua avaliação do governo Dilma no debate?
Até agora, parece muito prático, sério. Como ela vai responder a qualquer que seja o Código Florestal será, claro, um grande teste. Mas ter deixado claro que o governo Dilma não aprovaria a anistia [aos desmatadores] é um sinal bem positivo. O que é perigoso, na lei, é a ideia de dar o poder de demarcar as reservas legais aos estados. Se você vai administrar a Amazônia como sistema, precisa ser consistente.
O sr. conhece a senadora Kátia Abreu, uma das vozes da bancada ruralista?
Não conheço, mas diria a ela: "Você precisa tomar cuidado para não matar a galinha dos ovos de ouro". E o ovo de ouro é a chuva.
O caos nas finanças globais tira os holofotes da questão ambiental?
Geralmente, quando há forte recessão econômica, muitas das coisas que causam problemas ambientais se enfraquecem. Alguns dos motores do desmatamento, como os preços da soja e da carne, enfraquecem quando a demanda é menor.
O Brasil é capaz de cuidar sozinho da Amazônia?
O BNDES tem de ser cuidadoso com os projetos de infraestrutura, pois há todos os outros países [amazônicos]. O Brasil não deveria segurar a responsabilidade sozinho. A Amazônia é um elemento-chave no funcionamento do mundo. É do interesse de outros países ajudar o Brasil.
Já chamaram o sr. até de espião da CIA. Há paranoia sobre um complô internacional para 'roubar' a Amazônia?
Isso não tem fundamento. A pior forma de biopirataria é destruir a floresta.
Parte da comunidade científica minimiza o papel do homem no aquecimento global. O que o sr. acha?
Não há quase nenhum cientista com credibilidade que acredite nisso. Nos últimos 10 mil anos, a história climática do planeta foi bem estável. Agora, nós o estamos mudando. Está claro que 2 ºC a mais é muito para a Terra.
(Folha de São Paulo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário