Guarasil Tavares deixa legado de inquietação, conhecimento e lucidez. Família editará livro com seus quase 200 artigos e crônicas
Faleceu na semana passada, aos 80 anos, um dos mais ilustres filhos adotivos de Macaé, Guarasil Coelho Tavares, psicólogo, economista, músico e escritor, que no ano de 1980, escolheu Macaé para viver sua vida de aposentado, pendurando a gravata e a calça comprida depois de quase 30 anos trabalhando no Banco do Brasil, 20 deles no Gabinete da presidência da Instituição no Rio de Janeiro e em Brasília.
Guarasil era uma espécie de Google pré-internet para todos os seus amigos, que sempre recorriam ao seu conhecimento enciclopédico para sanar dúvidas e pedir conselhos. Era figura disputada para prosa das boas nos tempos dos barzinhos pé sujo e estrada de terra nos Cavaleiros.
Era um apreciador do bom português, tendo no conhecimento do Latim uma ferramenta poderosa para as questões gramaticais mais complexas. Acompanhava a evolução da língua como leitor compulsivo de jornais, e mais recentemente, também como pesquisador dentro da grande rede. Seu senso crítico, entretanto, não suportava exageros como a insistência da “presidenta” em assim ser chamada.
Diariamente fazia uma copidescagem rápida nos diversos jornais que lia, assinalando erros de português e de apuração dos jornalistas, como uma espécie de exercício do próprio conhecimento e do de seu senso crítico.
Mas ele tinha dentro de si outra grande arte que a aposentadoria lhe permitiu desenvolver: a música, sonho que sempre nutriu e que realizou na Sociedade Musical Lira dos Conspiradores, onde tocou flauta transversal e clarinete, integrando aquela banda em várias apresentações, concursos e gravações no Museu da Imagem e do Som.
Guarasil tinha uma mente indócil. Logo que chegou a Macaé, comprou livros de eletrônica e transformou a garagem de sua casa numa oficina onde construiu brinquedos pra os netos e consertou gratuitamente eletrodomésticos da vizinhança.
Tempos depois abandona a eletrônica e passa a estudar orquídeas por conta própria, transformando seu jardim num orquidário, onde praticava diversos tipos de experiências e cruzamentos entre espécies, mantendo correspondência com especialistas de todo o País.
E, finalmente, a música, que passa a consumir boa parte de seu tempo através dos estudos e ensaios em casa e na Banda.
Ultimamente, vinha redigitando e, provavelmente, aperfeiçoando, as dezenas de artigos e crônicas que publicou na imprensa macaense nas décadas de 1980 e 1990, na Folha Macaense, no jornal Artenativa, no Macaé Jornal e no “O Debate”.
Deixou digitado cerca de 200 textos, muitos deles inéditos, onde investiga o comportamento humano, sob a luz da cultura e da psiquê, alternando erudição e simplicidade, e que deverão ser reunidos num livro em breve.
Dono de uma lucidez invejável, tinha na debilidade de sua saúde física, seu grande ponto fraco. Enfrentou um câncer na laringe, perdendo a voz como consequência; a surdez; a visão que vinha se debilitando; a diabetes; a hipertensão; e uma hérnia abdominal que se avolumava; foram inimigos que enfrentou até quando pôde e que já começavam a encarcerar sua sabedoria.
Seu legado está nas lembranças de todos os que o conheceram e conviveram com sua genialidade e a irreverência que também fazia questão de cultivar. Um anarquista em essência.
Certa vez, indignado por ter que usar uma calça comprida para ir ao Fórum, numa audiência com o juiz, comentou na ante-sala com amigos. “Botei calça comprida, mas em compensação vim sem cueca”.
Guarasil deixa viúva, filhos, netos, bisnetos e uma legião de amigos órfãos de sua sabedoria e amorosidade.
Não havia mais corpo
pra tanta alma
tanta mente
pra tanto coração
tanta lucidez encarcerada
e enfim ...
e chegado o momento
em que a vida voa
Adeus meu pai, meu mestre!
Fernando Marcelo Tavares
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